Segundo especialistas, lei evidenciou a necessidade do idoso frente a outros grupos, melhorou assistência social e acolhimento, reduziu violência. Desafios são ampliar assistência em Instituição de Longa Permanência e fomentar uma sociedade menos etarista
Domingo, 1º de outubro de 2023, Dia Internacional das Pessoas Idosas e Dia Nacional do Idoso será marcado pelos 20 anos de vigência do Estatuto da Pessoa Idosa, lei Nº 10.741/2003. Desde sua promulgação, em 2003, essa legislação tem desempenhado um papel essencial na proteção dos idosos e na conscientização da sociedade sobre a importância de respeitar e valorizar essa parcela significativa e crescente da população brasileira. De acordo com dados do último censo feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE, em 2021, a população de pessoas de 60 anos ou mais passou de 11,3% para 14,7%, somando cerca de 31,2 milhões na última década.
Ao longo dessas duas décadas, o Estatuto tem assegurado acesso a serviços e à qualidade de vida para a população. Segundo Claudio Motta, presidente da Comissão de Defesa dos Direitos do Idoso, da OAB-MG, essas duas décadas são um marco na defesa dos direitos para àqueles com mais de 60 anos no Brasil.
“A criação do estatuto, em seu primeiro momento, definiu o lugar prioritário do idoso na sociedade por meio de uma legislação que estabelece uma série de direitos para a defesa desse grupo de cidadãos. Destaco a criação de leis básicas de organização, como as filas e estacionamentos prioritários, bem como órgãos e programas para a promoção e defesa dos direitos da pessoa idosa. Entre eles, estão o Conselho Nacional do Idoso, o Fundo Nacional do Idoso e o Sistema Nacional de Atendimento aos Idosos. Assim, a lei evidencia a necessidade do idoso frente a outros grupos. E, em um segundo momento, avança sobre temas mais complexos, como a assistência social e acolhimento e passa a desdobrar-se e a causar mais impacto e conscientização”.
Cláudio comenta que ao longo dos anos, a lei foi capaz de promover quatro eixos importantes na sociedade como:
- A redução da violência contra idosos;
- O aumento da cobertura da assistência social para idosos;
- A melhoria da qualidade de vida dos idosos em Instituição de Longa Permanência para Idosos, ILPI;
- O aumento da participação dos idosos na sociedade.
No entanto, ele destaca que ainda existem desafios a serem superados para garantir a plena implementação do Estatuto da Pessoa Idosa. Entre eles, estão:
- Violência contra idosos: A proteção contra abusos físicos, psicológicos e financeiros a idosos continua sendo uma preocupação, e muitos casos não são denunciados.
- Acesso à saúde: Garantir atendimento médico adequado e acesso a medicamentos para a população idosa é um desafio, especialmente em áreas remotas.
- Previdência social: O sistema previdenciário precisa se adaptar ao envelhecimento da população, garantindo a sustentabilidade dos benefícios para os idosos.
- Moradia digna: Muitos idosos enfrentam dificuldades relacionadas à moradia, seja pela falta de acessibilidade ou pela vulnerabilidade a despejos.
- Capacitação profissional: Promover a inclusão e a recolocação de idosos no mercado de trabalho é fundamental para garantir sua independência financeira.
- Isolamento social: Muitos idosos sofrem com o isolamento social, o que pode levar a problemas de saúde mental. A promoção de atividades e redes de apoio é essencial.
- Educação e conscientização: É preciso conscientizar a sociedade sobre os direitos dos idosos e combater o preconceito etário.
- Esses são alguns dos desafios que o Estatuto do Idoso busca enfrentar no Brasil, exigindo esforços contínuos do governo e da sociedade para garantir o bem-estar dessa população. Por isso, ele sugere uma coalizão social:
“Precisamos disponibilizar atendimento especialmente para aqueles que não têm familiares, estrutura ou dinheiro. Por isso, governo, as empresas, Terceiro Setor e sociedade organizada devem trabalhar juntos para garantir o pleno exercício dos direitos da pessoa idosa no Brasil. O acolhimento é prioridade visto que milhares de pessoas ainda dependem das Instituição de Longa Permanência para Idosos”.
Ivanilde Estrela, coordenadora do Lar dos Idosos São José, ILPI, obra do Sistema Divina Providência sabe dessa realidade. A instituição, mantida por parcerias e custeio municipal acolhe mais de 100 idosos. Ela conta que cerca de 30% deles, não têm família. Outros 40% foram abandonados por parentes depois de acolhidos. E pelo menos 20% chegaram ao Lar dos Idosos em situação de extrema vulnerabilidade porque os familiares se apropriaram de seus bens. Cerca de 10% recebem visitas de amigos ou familiares.
Além da situação de solidão, existem dificuldades financeiras já que o Lar tem um gasto aproximado de 320 mil/mês e tem déficit mensal de 15%. Porém, ela destaca que os 20 anos da Estatuto, mais a gestão pioneira de captação de recursos do Sistema Divina Providência e a qualidade em atenção dos profissionais, transformam as dificuldades em oportunidades de superação:
“A lei ensinou toda a sociedade que o idoso tem prioridade e respeito. E reforçou a proteção dos direitos civis deles, garantindo-lhes igualdade. Passamos dificuldades e precisamos avançar. Mas, com qualificação, afeto e recursos podemos sempre oferecer coisas melhores para nossos idosos, como cuidados de longa duração, terapia ocupacional, fisioterapia, tratamentos como foco na saúde mental, cultura e lazer. É isso que fazemos aqui. Por isso, temos alegria e saúde”, completa. Para CBP – 68 anos, residente do lar o contato com a família é um momento de alegria:
“Eu fico feliz quando minha irmã vem me buscar, geralmente fico o final de semana todo na casa dela, consigo almoçar no domingo com os outros parentes e ela sempre me leva para passeios no parque municipal. Minha família é presente, conversamos quase todos os dias por chamada de vídeo”.
Mas Ivanilde conta que o mais triste é ver como o abandono afeta os idosos. JMRN, de 83 anos, residente, conta que é muito triste não ter mais parentes:
“Em alguns momentos eu me sinto abandonado, porque meus pais faleceram e a minha única irmã também. Se não fosse essa casa aqui, por exemplo, eu seria um morador de rua, porque um salário mínimo não garante dignidade para nós, a convivência com os outros idosos é que me deram um certo sentido de vida (são a minha família), tenho amigos fora daqui, mas na maioria das vezes sou eu quem tenho que procurá-los. Muito por esses motivos passo boa parte do tempo praticando a leitura de livros. “
Outro ponto trazido pela coordenadora é a necessidade uma conscientização permanente de toda a comunidade para uma sociedade com equidade de direitos:
“Precisamos lembrar que não seremos jovens e ativos para sempre. Vejo falta de respeito e desinteresse e isolamento por parte daqueles com menos idade. Devemos estar todos juntos porque somos uma sociedade. Para o idoso, estar isolado, aumenta transtornos depressivos, ansiedade e outras doenças. E, especialmente, quando um está de fora, há algo errado entre nós”, conclui Ivanilde.
Sistema Divina Providência
O Sistema Divina Providência é uma instituição da Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, OSCIP, de caráter filantrópico e sem fins lucrativos. Criada há 50 anos, atualmente é composta por 19 obras, 5 programas, 17 projetos e serviços sociais que atendem crianças, jovens e idosos em situação de vulnerabilidade social em Minas Gerais.
A missão é promover o resgate da dignidade humana. Para isso, nossa frente de trabalho é a promoção da inclusão social por meio do acolhimento, da educação e da capacitação profissional. Em suas unidades, atende cerca 165 mil pessoas anualmente oferecendo educação em tempo integral, moradia, alimentação, saúde, cultura, esporte, lazer, formação profissional, moral e religiosa.



